3 Gerenciamento de Referências e Bibliotecas
3.1 Objetivos de Aprendizagem
3.2 Contextualização
Existem mais de 15 diferentes1 gerenciadores de referências (Proske et al., 2023). Entre eles podemos indicar o Citavi e o RefWorks. No entanto, os mais populares são o EndNote, Mendeley e Zotero. O primeiro é proprietário e descartamos enquanto opção para nosso workflow de Open Science. Os dois últimos são excelentes opções, no entanto, o Zotero se destaca por ser código aberto (totalmente gratuíto), enquanto o Mendeley, embora gratuito, é propriedade da Elsevier, uma editora comercial. Isso significa que o Zotero não tem restrições de uso e não exige pagamento por recursos adicionais, exceto por maior armazenamento na nuvem, que inclusive, é um destaque do Mendeley (2Gb vs 300Mb).
Essa aparente desvantagem do Zotero é, na prática, contornável. O limite de 300Mb refere-se apenas à sincronização dos metadados (os dados da referência). O armazenamento dos arquivos PDF, que consomem mais espaço, pode ser direcionado para seu serviço de nuvem preferido (OneDrive, Google Drive, etc.) através de configurações e plugins específicos. Essa configuração, que será demonstrada na aula, resolve a limitação.
O Zotero tem uma comunidade ativa e fóruns de suporte, o que pode ser útil para solucionar problemas e compartilhar conhecimento com outros usuários. Como aqui valorizamos a liberdade de código aberto e uma comunidade engajada, o Zotero é nossa escolha.
Essa característica faz com que o Zotero se destaque em relação ao Mendeley, especialmente no que diz respeito ao Ecossitema de Plugins. O Zotero possui uma comunidade ativa de desenvolvedores e pesquisadores que criam e compartilham plugins. Esses plugins estendem as funcionalidades do Zotero, permitindo personalizações específicas e integrações com outras ferramentas (Behera & Jain, 2023).
O plugin Better BibTeX, por exemplo, oferece recursos avançados de exportação e formatação de bibliografias, tornando-o uma escolha popular para usuários que trabalham com LaTeX, Markdown, HTML, e outras linguagens de marcação.2 O ecossistema de plugins é tão ativo que já inclui diversas integrações com ferramentas de Inteligência Artificial (IA) para sumarização e análise de artigos (A.I.R.A., PapersGPT, ZotAi, entre outros).
A mensagem principal que pretendemos passar no curso sobre esse tópico é para você conceber os gerenciadores de referências e bibliotecas, especialmente o Zotero, no contexto do processo de pesquisa, e não apenas para citações e referências. Usuários avançados aproveitam o suporte que a maioria dos sistemas de gerenciamento de referências oferece para o ciclo da pesquisa reprodutível (Proske et al., 2023).
3.3 O Zotero no Ciclo de Pesquisa
O Zotero pode ser integrado desde a fase de revisão sistemática ou exploratória. Você organiza referências em coleções temáticas e utiliza tags para categorizar estágios do processo. Tags como “Para Ler”, “Lido”, “Importante”, ou “Artigo X” transformam o gerenciador em sistema de rastreamento do progresso da leitura e análise. Coleções aninhadas permitem estruturar a literatura por tema, metodologia ou relevância, criando uma arquitetura de conhecimento que cresce organicamente com a pesquisa.
As notas e marcações em PDF não servem apenas para lembrar trechos. Elas alimentam análises qualitativas e sínteses de literatura. Cada anotação pode ser exportada, revisitada e reorganizada conforme o argumento do seu texto se desenvolve. A integração entre leitura, anotação e escrita torna-se dinâmica. O Zotero pode funcionar como repositório vivo de ideias, não apenas de referências bibliográficas.
Ferramentas de gestão de conhecimento como Obsidian e Notion podem ser integradas ao Zotero, criando redes de notas interconectadas. Suas anotações no Zotero alimentam bases de conhecimento pessoal, onde conceitos de diferentes artigos dialogam entre si. Isso transforma a revisão de literatura em processo iterativo de construção de sentido.
3.4 Integração com Fluxos de Trabalho Reprodutíveis
O fluxo de trabalho de pesquisa reprodutível exige ferramentas que se integram com documentos dinâmicos, como Quarto e RStudio. As citações são gerenciadas por chaves BibTeX, conceito que será central na aula. O plugin Better BibTeX, como já comentado, viabiliza essa integração de forma transparente.
O Better BibTeX permite criar e atualizar automaticamente arquivos .bib que se sincronizam com seus documentos dinâmicos. Você adiciona uma referência no Zotero, e o arquivo .bib reflete a mudança instantaneamente. Trabalho manual é eliminado. A gestão de referências e a escrita do manuscrito acontecem em paralelo, sem retrabalho entre coleta de literatura e produção de texto.
Manter seu arquivo .bib no GitHub junto com seus scripts garante que colegas possam reproduzir exatamente as mesmas citações. Versionamento de referências torna-se parte do controle de versão do projeto. Quando você compartilha o repositório, compartilha também a biblioteca bibliográfica exata que usou - rastreabilidade completa da cadeia de conhecimento.
Grupos do Zotero permitem compartilhar bibliotecas completas com equipes de pesquisa. Colaboração e transparência se expandem: todos os membros do grupo acessam as mesmas referências, anotações e anexos. Mudanças feitas por um membro sincronizam automaticamente com os demais. Projetos colaborativos ganham uma base bibliográfica unificada.
Gerenciadores preservam DOIs, abstracts e metadados que facilitam a citação correta e rastreabilidade das fontes. Metadados completos permitem que outros pesquisadores localizem rapidamente os materiais citados. Isso é requisito para pesquisa aberta e transparente - não basta citar, é preciso facilitar o acesso à fonte original.
3.5 IA e Descoberta de Literatura
Fluxos de trabalho baseados em RAGs (Retrieval-Augmented Generation) com LLMs locais ou ferramentas como PapersGPT podem ser alimentados diretamente pela sua biblioteca Zotero. RAGs na nuvem, como o NotebookLM do Google, também são mais facilmente acionados com a organização eficiente das coleções/pastas do Zotero. Você constrói assistentes de pesquisa personalizados que conhecem profundamente sua literatura, respondem perguntas contextualizadas e sugerem conexões entre artigos.
Plataformas de descoberta de literatura assistida por IA, como ResearchRabbit, Elicit e SciSpace, complementam o Zotero. ResearchRabbit descobre conexões importantes entre a literatura; Elicit automatiza revisões de literatura a partir de perguntas de pesquisa; SciSpace oferece explicações contextuais de artigos complexos. Essas ferramentas não substituem a leitura crítica, mas aceleram a triagem inicial e a identificação de estudos relevantes. Integradas ao Zotero, formam um ecossistema de pesquisa potencializado por IA.
3.6 Indo Além das Funcionalidades Básicas
Atualmente, gerenciadores de referências oferecem funcionalidades que incluem:
Recursos para coletar referências com textos completos e organizá-las em pastas e/ou (sub)coleções;
Marcar entradas de referência, fazer anotações e destacar o texto completo por meio de visualizadores de PDF integrados;
Citar referências em diferentes estilos de citação por meio de complementos para software de processamento de texto ou criando e atualizando automaticamente arquivos
.bibpara outras linguagens de marcação;Sincronizar referências entre o aplicativo de desktop e a versão móvel, bem como entre diferentes computadores; e
Compartilhar referências (Proske et al., 2023)
Mas o Zotero permite ir além. Plugins como Zotero Attanger automatizam a renomeação e o armazenamento de PDFs. Você define padrões de nomenclatura - por exemplo, “Autor_Ano_Título” - e o plugin renomeia todos os arquivos de forma consistente. PDFs podem ser organizados em pastas externas no OneDrive, Google Drive ou Dropbox, sincronizando automaticamente entre dispositivos e contornando a limitação de armazenamento oficial do Zotero nas nuvens.
Essa automação transforma a desorganização de centenas de PDFs mal nomeados em biblioteca estruturada. Arquivos tornam-se localizáveis por nome, navegáveis por pastas temáticas, e acessíveis em qualquer dispositivo conectado à sua nuvem. A organização deixa de ser tarefa manual e passa a ser processo sistemático.
A integração entre Zotero e ferramentas de gestão de conhecimento cria camadas adicionais de valor. O Obsidian, por exemplo, pode importar metadados e notas do Zotero, permitindo que você construa redes de conceitos interligados. Cada artigo torna-se nó em uma rede maior de ideias, conectado a outros artigos, a conceitos teóricos e a seus próprios insights. O Notion oferece alternativa visual, organizando referências em bancos de dados relacionais que você personaliza conforme a necessidade do projeto.
Um conteúdo básico é abordado em detalhes no trabalho de Thomas (2023), e veremos algumas dessas funcionalidades na aula. No entanto, daremos ênfase em outras funcionalidades do Zotero 7, especialmente sua integração no workflow reprodutível, por exemplo, com o RStudio/Quarto para citações/referências em documentos dinâmicos.
3.7 Preparação para a Aula
Antes da aula síncrona, certifique-se de completar todos os passos abaixo. Um vídeo com instruções detalhadas está disponível na página de pré-trabalho do curso.
Checklist de Preparação:
- ✅ Realizar o cadastro no Zotero.org
- ✅ Innstalar o software Zotero no seu computador
- ✅ Instalar o Zotero Connector no seu navegador (Chrome, Firefox, Edge ou Safari)
- ✅ Configurar a sincronização entre instalação local e nuvem Zotero
- ✅ Instalar o “Add-on Market for Zotero” (gerenciador de plugins)
- ✅ Instalar o estilo de citação Better BibTeX
Esta lista no Wikipedia, que é atualizada constantemente, faz uma comparação entre eles.↩︎
Outro plugin discutido é a integração com o SciHub (Behera & Jain, 2023). Coloquei essa informação em nota, pois ele é questionável do ponto de vista ético, apesar de extensivamente utilizado no Brasil por estudantes de pós-graduação stricto sensu de diferentes áreas (Oddone & Souza, 2024). Ou se enxergarmos o problema sob outro ponto de vista, a ampla adoção do SciHub no Brasil e em todo o mundo reflete a resposta dos cientistas ao desgastado sistema de comunicação científica mantido pelas editoras internacionais. Reforça, também, a relevância dos princípios da Ciência Aberta (Oddone & Souza, 2024).↩︎

